terça-feira, 13 de setembro de 2011

Você praticante de Artes Marciais – Será que você aplica seu treinamento?

Olá, amigo leitor. 
Vez por outra me pego em devaneios pensando sobre minha vida marcial até hoje. Quando isso me acontece entro na rede, ligo para meu Professor ou para meu Shifu (neste caso falo do mestre diretamente) e faço perguntas pertinentes ou mesmo digo o que tenho sentido para após suas opiniões sobre o assunto, poder ter uma resposta minha da situação. 
Em um destes momentos conversei com meu Shifu e ele me indicou o texto abaixo para ler, entender e depois formar melhores opiniões sobre minha vida marcial e quem sabe até mesmo minha vida pessoal. 
Confesso que o texto no início me assustou pelo título, mas que ao término de sua leitura, consegui dentro do meu ser entender melhor meus sentimentos e me firmar mais ainda nos conceitos que aprendi com meu Professor e meu Mestre.
Abra sua mente e leia sem medo de ao fim do texto postar sua opinião, tecer seu comentário...

  Praticante de Artes Marciais – Será que você aplica seu treinamento?(Por Mestre Hudson Willian)

Inicialmente cumpra salientar que este artigo não deve ser encarado de forma ofensiva a nenhum praticante, seja qual for sua modalidade marcial. Antes deve servir como motivo de reflexão para posterior conclusão.
Seguindo o padrão chinês de autoconhecimento devemos partir do seguinte principio:
1 – Ouvir o ensinamento sem questionamento;
2- Aplicar o ensinamento;
3- Concluir mediante os resultados obtidos, livre de conceitos antecipados (pré-conceitos);
4- Usar o ensinamento para sua vida ou descartá-lo.
O modelo acima exposto pode ser definido quando você recebe o seguinte convite:
“Antes de experimentar o meu chá, deverá esvaziar sua xícara, e deitar sobre ela o chá servido, desta forma poderá saborear este novo chá e com isso, concluir sobre o novo sabor degustado”.
Vamos direto ao ponto em que eu quero chegar...
Para que o leitor possa entender como é a filosofia chinesa de aprendizado, precisa entender que deve se libertar completamente de sua opinião e conceitos antecipado ficando livre, limpo, como uma xícara que está a receber um novo chá. E assim, o leitor irá saboreá-lo livre de sabores anteriormente conhecidos, desta forma, ao termino da experimentação, poderá concluir se esta experiência é ou não satisfatória podendo, a partir deste momento, formar sua convicção. Desta forma, antecipadamente, mesmo que o titulo da matéria possa inicialmente parecer meio ofensivo, abaixe sua guarda, leia o que tenho para você, experimente e após conclua, seguindo o método chinês de desenvolvimento humano.
Começarei a exemplificar, pois assim conseguirei explanar sobre o assunto o qual pretendo levá-los a meditação. Um praticante de Jiu-Jítsu é precoce em seu treinamento, ou seja, ao dar início em sua sessão de treino, levando em consideração uma aula breve de apenas 1 hora de treino, inicia com um aquecimento geral, especifico de articulações, alguns exercícios de alongamento e fortalecimento, logo após, inicia o treinamento técnico. Importante frisar que este treinamento técnico é exatamente o que ele fará no momento da luta, ou seja, desde o inicio, após o aquecimento, fortalecimento geral e alongamentos de praxe, segue se a parte efetiva. Digamos que este treinamento seja baseado em um período de 60 minutos. O máximo que será utilizado para este conjunto de coisas que precederão a parte técnica, não passará de 1/4 desta hora, ficando em media 3/4 de seu tempo voltado exclusivamente para o mais importante, ou seja, as técnicas voltadas para a luta.
Mais uma vez, sou forçado a fazer com que o leitor examine outra modalidade de luta, o treinamento de boxe inglês. Neste, após os aquecimentos e alongamentos comuns as praticas desportivas, salvo treinamentos mais específicos, quer sejam na busca de condicionamento ou ainda resistência física, em seguida, o praticante veste suas luvas e vai para o saco de pancadas, treina com sparings, luvas de foco, aparadores e então vai para a luta efetivamente, quer seja fazendo uma sombra ou combate.
Seguindo este mesmo diapasão, cito mais um exemplo como é o caso do Muay Thai, uma arte marcial que não dispõe de “formas” (também conhecidas com Kata, taolu, kati, punse, etc.), desta forma o praticante vai direto ao ponto, sem rodeios, em busca do objetivo almejado, ou seja: o combate. Eu poderia ficar por horas citando exemplos, tais como o Kickbox, o Judô etc. etc. e etc.
Saindo da seara da arte marcial, podemos ir ao futebol, ao basquete, ao tênis, a natação enfim, a muitos outros métodos ou ainda estilos de esporte. O que quero frisar, é que em todos os exemplos citados, invariavelmente vai-se direto ao ponto. Porém observo, em especial nas artes marciais chinesas, que a realidade não é bem assim... Veja bem, não estou generalizando, mas confesso que conheci um número muito pouco expressivo que contraria o que vou explanar agora, uma porcentagem inferior a 1%.
Vamos levar em consideração uma mesma aula de 60 minutos como usei de exemplo acima, porem desta vez, no âmbito do Kung Fu. O praticante inicia o treinamento como as demais, fazendo alongamentos, aquecimentos, técnicas de força, explosão, condicionamento etc. E assim, vamos reservar ¼ deste tempo para estas atividades iniciais. Na seqüência, o praticante inicia um treinamento de “formas” cujo termo correto em chinês é Taolu. Porém, somente no Brasil, durante anos foi utilizada a expressão Kati que na verdade era apenas uma “cópia” com pequena alteração do termo KATA, do Karatê. Dependendo de seu nível de conhecimento, este praticante pode conhecer mais de dez formas diferentes só de mãos livres! Após as Taolus de mãos, o mesmo praticante iniciará um treinamento voltado para armas, iniciando desta forma, mais uma serie de “formas” de armas que poderão ser varias, também dependendo de seu nível de conhecimento associado ao seu estilo. Ainda nesta esfera, podemos enquadrar os “Tuichas” (luta combinada) que poderão ter uma enorme variação e que são comuns na maioria dos estilos chineses. Após todo este ritual (que quando bem aproveitado este tempo já se passaram ¾ da aula), somente após todas estas etapas, é que se iniciam os treinamentos efetivos para luta. Importante salientar que treinamento para luta é para luta, as formas não servem para lutar propriamente dito, mas sim, para preservar a essência das técnicas do estilo e ensinar movimentos “QUE DEVERÃO SER UTILIZADOS PARA LUTAR” e que ainda assim não Taolu não é luta! As Taolus podem até serem considerados atos preparatórios para a luta, mas não são a luta propriamente dita.
O melhor método para treinar para natação é nadar! O melhor método para se treinar para futebol é jogar! Lutar não é diferente! Desta forma, quando então teremos um praticante de Kung Fu nestes moldes preparados para um efetivo combate? Não é a toa que entre os lutadores profissionais, o Kung Fu não tem prestigio algum. Isto porque os mesmos lutadores não vêem aplicabilidade nos treinamentos e invariavelmente não se tem lutadores expressivos nesta modalidade. Quantos lutadores expressivos nós temos hoje em dia de Muay Thai? Jiu-Jítsu? Boxe? Vários!!!  E do Kung Fu?
Pois bem, será que esta já não seria hora de repensarmos sobre os métodos de treinamento?
Alguém conhece um lutador de Kung Fu que com sua poderosa Garra de Tigre nocauteou um lutador de Muay Thai? E com suas velozes pinças de Louva-a deus, feriu mortalmente um praticante de Jiu-Jítsu? Ou ainda com sua poderosa palma de Budha deixou em coma um boxeador por dois dias? Por gentileza, me apresentem, pois eu não conheço... Necessário salientar que não é a arte marcial que não funciona, mas sim seus métodos de treino que foram perdidos no tempo, em algum momento, por algum motivo e os atuais métodos hoje não funcionam mais.
O que quero que seja motivo de reflexão é que um lutador de Kung Fu hoje em dia quando se apresenta para luta, seja ele de que estilo for, irá aplicar os seguintes golpes: soco reto, soco direto, cruzado, gancho, chute reto, chute circular, chute coxa etc., mas cadê a feroz Garra da Águia? O Punho da Pantera? O eficaz Bico da Garça? De que serviu o treinamento intensivo de formas, já que agora não conseguem aplicar? Alguma coisa esta errada...
Mas não vai muito longe. Faço neste momento um apelo em especial aos praticantes de Wing Chun, onde muitos se vangloriam por achar que fazem um estilo especial, poderoso, destruidor, que está acima do bem e do mal... Pois bem: E vocês, conseguem aplicar o que treinam? Faça um convite a um boxeador para uma luta, veja se seu “Pak Sao” defende um poderoso direto dele, se seu “Tan Sao” segura um poderoso cruzado, se o seu soco o nocauteia... Pois é... Este é um desafio que se você fizer poderá se chocar... Fácil é o “Tan Sao” funcionar na aula, junto com seu professor, defendendo um golpe programado, seu “Pak Sao” estar pronto para tirar o golpe combinado, porem, e na real? Será que consegue aplicar? È de se pensar... Mas ainda melhor que pensar é testar, aplique! Faça o teste! Conheça-te!
Estou aqui para mexer com o âmago de seu ser, te levar a uma reflexão profunda, fazer você rever seus conceitos. Lembre-se do que falei no inicio da matéria. Não me condene. Não me ataque. Antes, jogue seu chá e experimente o que ofereço. Ao longo de minha jornada sempre vi grandes expoentes do cenário marcial do Kung Fu a nível nacional e até mesmo internacional quando em momentos de luta, cerrar seus punhos e aplicar Socos de Boxe Inglês, chutar como um Boxer Thay ou ainda um Kickoxer. Cadê o poderoso salto do dragão, a famosa técnica Tigre desce a montanha, o tão aclamado punho do Sol? REFLEXÃO! E AÇÃO! Vejo Mestres de Wing Chun que não lutam Wing Chun, Vejo mestres do estilo da Serpente, da Garça, do Tigre que não usam as técnicas de seu estilo, então pergunto: Para que dedicar-se tanto aos fundamentos na pratica das “formas” se na hora da luta vira um Kickboxer? Sejamos sensatos então, vamos treinar soco e chute, nada mais.
Talvez por isso o Sanda esteja tão em alta, pois vai direto ao ponto, pula os métodos antigos que hoje em dia fazem parte de um folclore marcial. Talvez por isso, hoje em dia a Confederação Brasileira de Kung Fu e suas filiadas estaduais não tenham mais as competições de Kung Fu tradicional modalidade de Combate, e tão pura e simplesmente o Sanda, ou seja, o Kickboxing Chinês. Nada contra ao Sanda, pelo contrario, vamos ser precoces na luta como o Jiu-Jítsu, o Muay Thai e etc. Neste ponto o Sanda esta recuperando a moral do Kung Fu...
Porem, dentro do Kung Fu tradicional, posso lhe assegurar que nós da Applied Wing Chun aplicamos nossas técnicas e a fazemos funcionar. Durante meu treinamento na China contra os lutadores profissionais de Muay Thai eu não tinha opção, ou seja, ou meu Wing Chun funcionaria, ou minha cabeça ia ser arrancada de meu corpo. Não havia meios de usar as técnicas iguais a deles, pois eles eram superiores. Desta feita, se tudo o que sempre treinei dentro da Applied Wing Chun não funcionasse, eu estaria em sérios apuros. Escolhi e fazer o teste e estou aqui para contar a historia e como estamos em tempos modernos, não só conto a historia, como mostro meus vídeos. E você? Já testou seu treinamento e conhecimento para nos contar e mostrar os resultados? Não precisa me responder, pois esta resposta só interessa a você e a ninguém mais. Um dos ditados do Kung Fu que muito me impressiona fala sobre isso:
“Crie um filhote de gato entre Tigres e este será um Tigre. Crie um filhote de Tigre entre Gatos e este será um Gato.” 
Vai continuar a se esconder de si próprio? Experimente meu chá, mas antes esvazie sua xícara.
Quem é quem?
(por: Shifu Hudson Willian – Mestre da 9º Geração de Wing Chun – Applied Wing Chun Brasil)

Um comentário:

  1. Esta é minha forma de mostrar como concordo com muitos dos conceitos que meu mestre tem como base. Sendo que estes norteiam boa parte de minha atual posição nas artes marciais. Peço que não entendam mal o texto, mas que reflitam pois como o mestre sempre disse a mim: "conhecimento liberta".
    Estude o assunto, leia sobre, debata e tire suas conclusões.
    Agradeço suas visitas que para mim são importantes, assim como também agradeço seus comentários, sejam eles de qualquer espécie.
    SiHing Everaldo - Sp

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